Atrasos
Apesar da jura que fiz em pé diante do espelho, reconheço
que falhei: após 2 meses de pontualidade britânica
(dá para acreditar que existe trem que parte da estação
às 15:57 ou às 6:02?), tendo minhas crônicas
editadas às 5as feiras, comecei a atrasar na redação
e envio delas. Na última quinzena, elas passaram para a 6a
e esta talvez só saia (ou entre) no domingo.
Num ato de contrição, fruto da minha frustada vocação
religiosa, bem como da irracional vontade de entender o que estou
fazendo, sentindo, pensando, indaguei-me as causas para este desvio
de conduta. Não é verdade que eu estivesse sem assunto
(mesmo que tivesse, não tenho agenda para escrever nas Anotações
Importantes...). Também não é verdade que tenho
passado menos tempo em frente ao computador, só porque a
energia aumentou 5%. Refuto ainda a explicação pautada
na monotonia e/ou falta de assunto que acomete os escritores, simplesmente
porque não me considero um.
Para aliviar a minha dor, a turma B veio em meu auxílio.
Lembrou-me que esta prática não é tão
exótica na minha existência: as vezes que fui de ônibus
para a escola, após perder a carona de papai, que não
esperou eu terminar o almoço, ocasionando invariavelmente
a perda da 1a aula; as vezes que fiquei na cama só mais cinco
minutos e saí para a faculdade tendo como café da
manhã um glorioso copo de água de filtro; as vezes
que demorei a desligar o computador antes de ir ao trabalho, provocando
um "Boa Tarde" sem graça, típico daqueles
que sabem da sua falta de pontualidade...
Antes que os lépidos neurônios se empolgassem, agradeci
a gentileza por desejaram me consolar e respirei aliviado: ainda
bem que eles não me falaram da minha demora na compreensão
da importância de usar camisinha nas relações
sexuais, lição só aprendida quando Samuel foi
concebido.
Depois de passar mais de 20 minutos pensando em como iria terminar
esta crônica, veio (com atraso) a idéia de fazer uma
associação com as crônicas do Jayson (21/01
– por falar nisso, cadê você? Há 3 semanas
você não escreve!), Daniel (13/04) e Eduardo (23/04)
sobre estresse. É no mínimo engraçada a sensação
de se estar sempre devendo alguma coisa a alguém, mesmo que
este alguém seja você!
A continuar nesse ritmo, manifestação cabal de uma
sociedade civilizada, qualquer dia um bebê ao nascer vai chorar,
não devido ao ar que adentrou aos seus pulmões, mas
por descobrir que, apesar de ter pego carona numa simpática
nebulosa, está na hora de morrer.
Paulo Barguil
23/04/1999 |